O «meu» Espaldão ou Carreira de tiro em Faro
Começando pelo princípio e porque o nome não é do conhecimento comum vai aqui uma ajuda da wikipédia:
«Em arquitetura militar, um espaldão é um anteparo de uma trincheira ou fortificação, servindo para proteger a artilharia e a guarnição que lá se encontra. Um espaldão pode ser feito de alvenaria, terra, sacos de areia, betão ou outros materiais. Também são utilizados espaldões nas carreiras de tiro, com intuito de evitar que balas perdidas saiam para o seu exterior.»
Isto da cultura é uma coisa interessante. Aqui em Faro sempre se denominou de «espaldão» todo o conjunto de terreno que abrigava a carreira de tiro onde o regimento de Faro fazia os seus exercícios de tiro.
Pois pelo que se lê acima, um «espaldão» é exclusivamente a barreira «que evita que as balas perdidas saiam para o exterior», ou seja, e vendo a foto (pode-se carregar para ver tamanho maior), o «espaldão» de Faro está situado na parte inferior esquerda e é um simples (mas enorme) monte de areia que tinha por função sofrer o impacto das balas e permitir que elas por ali ficassem.
A carreira de tiro, propriamente dita é que deve ter a denominação que é dada a todo o espaço, incluindo o tal espaldão, as fossas para os colocadores de alvos que se vêm nitidamente no enfiamento directo paralelas entre si e perpendiculares ao espaldão , e as barreiras/suporte de arma de atiradores, que conforme se pode ver estão distanciadas perpendicularmente às fossas dos alvos com distanciamentos entre si para tiro a 50 metros, 100 metros, etc. tal como fosse da praxe na altura.
Pois bem, as fossas dos alvos permitiam que os soldados que os colocavam se deslocassem para uma posição ou outra (mais distante ou menos distante) após cada sessão de execução de tiro. Era nessas fossas que o pessoal miúdo da altura brincava (fora dos períodos de tiro, como será claro).
Antes de falar num episódio interessante que teve lugar devido à existência destas fossas laterais ao espaldão, gostaria de acrescentar que os cartuchos dos disparos eram por princípio recolhidos pelos próprios atiradores para voltarem ao quartel e serem então enviadas para a fábrica de material de guerra para recarregamento.
Lembro-me bem da ordem que era dada «Aos alvos!», altura em que o pessoal arrancava da sua posição para recolher os cartuchos e isto depois de ser assegurado que não estava mais ninguém em posição de tiro: não era preciso estar a disparar (o que acabava com um «Alto!»), bastava não estar de pé, e era feita uma verificação sumária de que todos já tinham consumido os seus cartuchos.
Neste espaldão, onde as balas ficavam incrustadas, de metal, como é claro, era permitido que as pessoas as recolhessem. Muito particularmente o «trabalho» estava quase em exclusivo destinado a pessoas de etnia cigana ou eles tinham-no reservado para si e não me lembro de ter por lá visto outras pessoas.
Não sei o que eles faziam com esses bocados de metal, amarrotado, mas não me parece que o fossem vender ao quartel. Na verdade era de toda a conveniência manter o espaldão o mais limpo possível de balas, na medida em que estas, apesar de ser remota a possibilidade, podiam servir de factores de ricochete das balas disparadas em doses maciças em dias de exercício.
Pois bem, e regressando às valas dos alvos, houve uma altura em que supostamente apareceu um fantasma à meia noite e às quartas feiras, se não estou enganado quanto ao dia da semana.
O fantasma da carreira de tiro correu de boca a orelha e eram diversas as interpretações sobre o perfil do mesmo (fantasma) seguindo o princípio do «fulano disse que era assim, porque beltrano lhe disse que sicrano bem viu, etc.».
Aparentemente este fantasma era tradicionalista, segundo os relatos, e não dispensava o lençol branco, e era este o único ponto mais comum. Mas havia mistério, de facto, porque o dito ser do «outro mundo» aparecia à flor do terreno caminhando (ou sobrevoando) o espaço entre as duas paredes das valas, que segundo me lembro tinham talvez entre 2,5 e 3m de profundidade.
Os mais científicos, pensando num gozo de alguém o que até fazia falta naquela altura, haver um gozo, diziam que era alguém com andas (como essas que se usam nos circos) que lhe alongavam as pernas e permitiam assim que ele parecesse cerca de 3 metros mais alto, tendo por ideia que ele andava dentro das fossas ou valas.
Essa ideia tinha base mas colidia com o acidentado do fundo das valas. Qualquer pesssoa que se aventurasse a utilizar uma coisa dessas, ainda por cima com aquele tamanho, arriscava-se a dar um trambolhão ao tropeçar nas inúmeras pedras que o fundo das valas tinham, e presumivelmente a ver encarecer a sua brincadeira talvez com uma real passagem para o «outro mundo» mesmo.
A coisa tornou-se pública em Faro, sobretudo entre a malta jovem e foram cativados para a causa também alguns mais seniors, pelo que uma noite juntaram-se cerca de cinquenta a cem pessoas para «ir ver o fantasma».
Não estava previsto qualquer acto de violência contra a seguramente atormentada alma (colocava-se a hipótese de ser um soldado ali falecido por acidente) e bem esperámos mas nada.
O pessoal bem gritava «ò fantasma está na hora!!ò fantasma está na hora!!» assim que bateu a meia noite, mas nada.
Foi uma verdadeira frustração e era uma das primeiras oportunidades da minha vida para ver um fantasma, ao «vivo» e depois disso nunca vi nenhum.
Debandada geral. A partir daí nunca mais se ouviu falar no «fantasma da carreira de tiro» e os outros que foram sendo citados como frequentadores de outros pontos da cidade não tinham aquela carga emocional que aquele teve.
Tenho saudades dele...e lá para onde ele se tenha deslocado desejo-lhe as maiores felicidades embora tenha ficado muito ressentido.
Nota: A foto foi «repescada» no Blogue A Defesa de Faro.
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