domingo, 20 de junho de 2010

FLORBELA E O DONJUANISMO - Por Daniel Teixeira

FLORBELA E O DONJUANISMO - Por Daniel Teixeira

Assiste-se no tempo de Florbela Espanca ao nascer e ao desenvolver do sentimento e à interiorização do absurdo descrito mais tarde por Camus no seu Mito de Sísifo, por exemplo:
«O homem absurdo não é servo de nenhum código moral; é, antes, um consciente imitador dos protótipos vivos da sua atitude: D. Juan, o comediante e o conquistador.

O primeiro põe em acto «uma ética da quantidade, ao contrário do santo que tende para a qualidade» (p. 92). Para o segundo, a arte consiste em «fingir absolutamente, entrar o mais profundamente possível em vidas que não são suas» (p. 101). O terceiro, o conquistador, é aquele que se excede por ter consciência da grandeza do espírito humano, «mergulhando no mais ardente da alma das revoluções» (p. 110). Mas a «mais absurda das personagens (...) é o criador» (p. 114), e «a alegria absurda por excelência é a criação» (p. 118), ainda que esta seja para nada.»

Voltaremos a estes termos «criação e nada» tão presentes em Florbela, e igualmente faremos realçar a personagem de D. Juan cujo seguidismo é sugerido existir em Florbela por vários autores. Contudo seria bom desde já deixar claro que a ideia que se tem correntemente, de D. Juan e do Donjuanismo (mesmo contando com as reformulações que lhe foram trazidas quer pela música quer pelas reposições temáticas ao longo de mais de duzentos anos) não se pode resumir a alguns aspectos freudianos (que são bastante interessantes, nalguns casos, diga-se de passagem, e até muito ridículos noutros casos, diga-se também).

D. Juan (aquele D. Juan que se foi perpetuando) não é mais que uma imagem ajustada de Zeus já na sua fase decadente, de Deus da ira (contra os metafóricos Titãs) a Deus do perdão e fusão com o mundo dos homens em que a sua «vida» era já motivo de risota superadora dos gregos dadas as suas aventuras amorosas e a eterna perseguição da sua mulher e irmã Hera.

Há também, em D. Juan, um pouco da inconstância e falha de virtudes de um Paris indirectamente originador da guerra de Tróia. Aliás, uma das interpretações freudianas que vimos da personagem de D. Juan detém-se precisamente neste tipo de característica; alguma inconsciência ou falta de capacidade de valorização entre o Bem e Mal acrescida de uma sumária equiparação a um Cupido que se «recusa a crescer» («complexo» de Peter Pan ) transformado no próprio Eros com o qual o «burlador» acaba também por ter afinidades nesta sua característica dado que Eros depois de ter conseguido convencer a Terra a copular com o Céu se apropria dela, fazendo-a sua não no sentido físico mas sim no sentido da dominância.

Sem comentários:

Enviar um comentário