sábado, 18 de dezembro de 2010

LINGUAJARES NOSSOS - Por Manuel Fragata de Morais

LINGUAJARES NOSSOS - Por Manuel Fragata de Morais

Não são poucas as crónicas que já escrevi ao longo dos anos sobre o uso que se dá, tanto por alguns quanto por muitos ao português, na sua transformação inexorável em angolês. E aqui, nem enfio o famigerado desacordo ortográfico que, acho, só tem patente nos lusos e seus descendentes (em termos de idioma) em ambos lados do Atlântico. Nunca ouvi falar de um acordo ortográfico entre Albion e todos os outros onde o inglês se fala e que fizeram com que o Sol nunca se pusesse no império de sua majestade, nos séculos 19 e 20.

Todavia, esta não é a questão em pauta, mas sim alguns dos maravilhosos linguajares no expressar por alguns dos que nossos concidadãos de uma ideia, um conceito, ou o que seja. Claro que sempre há as influências do ambiente em que se produziu a gestação das mesmas, como nesta, pertencente a um motorista que durante largos anos fez parte das Forças Armadas Angolanas, ao originar o «conte rendue» da missão que o chefe dele, um grande amigo de peito meu, lhe confiara, ou seja, ir buscar a mãe e levá-la de volta para casa:

«Chefe, como me comandou, capturei a senhora e transladei-a para casa, onde está em segurança; a missão foi cumprida, posso desmobilizar-me?...»

Há dias, escutava a Rádio, num desses programas de entrevistas populares sobre as mais diversas questões, e no qual uma senhora mais velha relatava indignada o facto de um cidadão qualquer pretender assenhorar-se do seu terreno, e que já mandara carta ao senhor Ministro da tutela, informando que «Este senhor, sem qualquer documento, está a querer estuprar o meu terreno!...»

Havia um professor de português, daqueles à moda antiga, que morava ali para as bandas da Praia do Bispo, e um dia sentiu que o seu galinheiro estava a receber visita não requerida. Para lá pronto se dirigiu e confrontou o gatuno, este, já com uns tantos patos no saco. Indignado, logo se encarregou de educar o larápio sobre a feiura da acção e que com um corpo daqueles deveria estar a contribuir para a sociedade de forma digna, que servir-lhe-ia melhor estar na escola, que poderia estar a fazer isto, que deveria pensar naquilo, etc., etc.
As tantas, o coitado do pilha patos, talvez já farto da palestra do venerando educador e não percebendo bem o alcance da prosa moralizadora, com cara de parvo, e a querer saber como iria acabar tudo aquilo, indaga, meio a fio: «E os pato, então?!...»

«E os pato???...», pergunta, à beira de uma apoplexia, o mestre educador, com várias décadas de ensino, na época em que o Luís Vaz de Camões era respeitadíssimo nas colónias. «Os pato?... Os pato?... Isso não existe, seu burro! E os patos, ouviste, os patos. P-A-T-O-S! Patos! Se queres roubar, pelo menos fala bem!»

Reduzido à sua devida e insignificante humildade, o amigo do alheio não deseja evaporar-se sem antes as coisas estarem definidas, não vá o diabo torcê-las: «E os pato, que faço com eles tio? Levo ou deixo?...»

Leia este tema completo a partir de 20/12/2010

1 comentário:

  1. Gostei de sua crônica!
    Como deves saber, pesquiso "falares" no Brasil; os ditos "reginalismos".

    Um abraço,

    ACAS

    ResponderEliminar