sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Porque é que eu me casei - Reflexão de Michel Crayon

Porque é que eu me casei - Reflexão de Michel Crayon

Esta questão, de saber porque é que eu me casei, na sua base, não interessaria directamente a ninguém senão a mim e à mulher com quem dei ou não o tal de nó (que raio de metáfora!) e por arrasto tradicional aos padrinhos que pagaram (se pagaram) as alianças, aos pais dos noivos que pagaram o almoço (vulgarmente chamado de copo de água), e aos meus filhos, se eu os tivesse, e interessaria apenas por uma questão de preenchimento de um hiato que nunca seria aliás questionado para eliminação nesta nossa semântica histórico - vivencial porque ninguém repararia nele se esta questão não fosse levantada.

Cerca de noventa e nove por cento da população não sabe porque se casa e joga mão da resposta mais corrente e mais ligeiramente dita que alguma vez uma mente sã pode irresponsavelmente argumentar: «casei por amor!» é a resposta desses tais noventa e nove por cento da população casada o que, traduzindo para a linguagem crua da realidade quer dizer simplesmente que não sabem, não respondem, não têm opinião formada, etc. como nos questionários para as sondagens e estatísticas.

Ora, pelo facto simples de tentar contar aqui porque é que eu me casei, esta questão, de origem eminentemente pessoal ou familiar próxima, torna-se uma questão de interesse público - mesmo que não desperte qualquer interesse a definição é esta - e acaba por essa mesma razão por interessar e ser importante para outros que de outra forma não se sentiriam sequer tentados a aprofundar a questão (a preencher o tal hiato histórico vivencial acima referido). Por isso, e concretizando mais: o facto de eu tentar dizer, explicar, desenvolver, a ou as razões porque me casei tem uma função psico - social importante pelo menos mas não só para os tais noventa e nove por cento da população casada que alega falsamente «amor» como causa substancial do seu estado civil.

Por outro lado existe o factor desperto que pode fazer deste meu mísero texto um verdadeiro thriller: o facto de que uma resposta minha a esta questão possa ser surpreendente (casar por dinheiro não tem surpresa nenhuma, digo desde já) leva ou pode levar à interiorização especulativa, pode levar ao dissecar das entranhas mais freudianamente acamadas da nossa mente, ao palpite reflexivo, ao conhecimento de respostas que nunca foram procuradas porque a questão nunca foi posta senão daquela forma superficial que leva ao «casei por amor! (e não me chateies mais!)» do despacha diário já repetidamente referido acima.

Ainda, e não largando desde já as implicações imediatas, a minha questão desde logo vestida com resposta pode vir a satisfazer um pouco aquela curiosidade epidérmica de todo o ser humano tem sobre estas coisas. Nada é mais interessante do que ouvir ou ler uma confissão, mesmo que essa mesma confissão nada traga de novo. E é, por isso, epidérmica, a curiosidade, esta curiosidade quanto às razões de um casamento (o meu, neste caso) porque está colocada na nossa mente como se estivesse à flor da pele, não daquela pele que nos transporta e nos envolve como um saco de celofane, mas sim porque é de reacção e espevitamento quase natural, instintivo por cuidado defeito (default) mas sobretudo é,ela, essa curiosidade, inconfessadamente projeccional.

Leia este conto completo a partir de 30/08/2010

1 comentário:

  1. Olá Michel Crayon
    Como sempre achei o seu artigo uma delícia, o seu sarcasmo é contagiante.
    Estou de acordo consigo na maior parte do que disse, muita gente casa porque faz parte da rotina da vida em si, embora de início, convenhamos, com algumas expectativas e crença nalguma possível felicidade.
    Na realidade tudo pode acontecer de acordo com o que o Michel diagnosticou, mas também muitas vezes casamos para nos libertarmos da falta de liberdade vivida na casa paterna (actualmente não tanto pois vivem com os pais até aos 30 anos )acabando por constatar tempos depois (principalmente ainda as mulheres) terem sido vítimas das próprias ilusões.
    Mas não sejamos tão maldizentes porque ainda se vão encontrando casais muito felizes.
    Muitos parabéns e um abraço.
    Liliana Josué

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