domingo, 27 de fevereiro de 2011

Coluna de Manuel Fragata de Morais - KASAKAS & CARDEAIS - DE : JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Coluna de Manuel Fragata de Morais - KASAKAS & CARDEAIS - DE : JACQUES ARLINDO DOS SANTOS

Nasceu em Dala–Uso, Libolo, Calulo-lobolo, em 6 de Janeiro de 1943. Profissional de Seguros, é membro da União dos Escritores Angolanos, sendo autor de Casseca: Cenas da Vida em Calulo, Chove na Grande Kitanda, entre outros, e Kasakas e Cardeiais, de onde foi retirada o excerto aqui constante. Preside, ainda, o Conselho Directivo da Associação Cultural e Recretaiva Chá de Caxinde.

KASAKAS & CARDEAIS (EXCERTO)

Esta é estoria da vida frustrada de Tyl, o passarinho que nasceu para ficar de bico fechado. O seu narrador, pássaro sabido e de muito canto, garante-nos que ela é verdadeira.

Não deixa de convencer pelo modo como a põe contada, parece fiel o relato que faz dos modos de ser, das práticas, das andanças e dos envolvimentos de muitos voadores, do seu e de outros bandos. É pois, a partir desse pio de passarinho, que os leitores ficarão a saber que...

Bansaka é a terra de Tyl, um país que existe entre o céu e a terra. Diz-se que os que aqui nascem e ganham fama, podem alcançar o céu, mesmo que se saiba que nunca pássaro algum, desta região ou de qualquer outra, atingiu em vida, nem sequer as estrelas.

Apesar disso, são muitos os que procuram a fama. No chão, mesmo o das montanhas que se situa bem mais perto, vão poisando as patas apenas quando calha. Quando o fazem, mesmo saltitantes, seus passos são cuidadosos e seguros. Provam que nesse aspecto, como em muitos outros, estão bem acima dos homens.

Bansaka nasceu numa manhã de mês de chuva dum ano, que ficou muito para trás nas funduras do esquecimento, muito tempo se tivermos em conta a curta vida de um passarinho. Mesmo assim, Tyl lembra-se com uma saudade que não tem tamanho, daquela manhã diferente das muitas outras, que no correr das estações vira nascer e virar dia. O céu, contrariamente, encheu-se de brilhos muito cedo, e luziu tão intensamente, que o sol se mostrou com reflexos de um incrível azul prateado.

Tyl não conseguiu nunca entender porque mantinha viva essa evocação saudosa uma vez que, na época do acontecido, ele próprio ainda não tinha nascido! Porém, lembrava-se, isso é inquestionável. E o lembrar isso não era privilégio de todo e qualquer natural de Bansaka. Só os eleitos conseguem, como ele conseguia, ter bem presente o antigamente. Esse dom era uma dádiva dos seus antepassados.

Quase sem se dar conta, Tyl mostrava vaidade que não era própria de pássaro, daquela que se julga só ao alcance das pessoas, quando lembrava que o pensamento da data maravilhosa fora-lhe transmitido assim fielmente, por ser pássaro de eleição.

Não se apercebia do modo como exultava ao constatar que só esses eleitos como ele, conseguiam ganhar a real consciência dos factos passados. Por isso, sabia com a maior propriedade, que jamais voltaria a nascer um dia igual àquele em que sol pareceu sorridente de tanta luz. Todos esses sinais, aliados ao seu próprio nome, foram mostrando a Tyl que o país esperava por si. Mais cedo ou mais tarde seria cardeal (ave colorida de encarnado e preto, fazendo lembrar o traje dos cardeais. Nota do coordenador).

Cristalizava-se assim essa ideia na sua cabeça e as imagens ficavam-lhe retidas nos miolos, vendo sempre que queria, os acontecimentos dessa terna manhã. Eram cenas que mostravam não só o sol, mas também ameaçadoras nuvens, escuras e revoltadas, a viajar com pressa incansável e costumeira, rebocando chuva e muito vento, dificultando o voo de ágeis e velozes aves de sangue quente. Reconhecia nelas os mais - velhos kasakas, de várias gerações. Também via com regularidade, a surgir no lugar das nuvens negras, tão rápidas quanto elas, outras bem mais caras e bonançosas, portanto notícias anunciadoras de que, a partir daí, o sol passaria a brilhar para todos.

Leia este tema completo a partir de 28/2/2011

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