sábado, 12 de fevereiro de 2011

Texto sobre Florbela Espanca - Parte VI - FLORBELA E O SUICIDIO - Por Daniel Teixeira

Texto sobre Florbela Espanca - Parte VI - FLORBELA E O SUICIDIO - Por Daniel Teixeira

FLORBELA E O SUICIDIO


Não encontramos, quer no seu diário, quer na sua poesia quer na sua prosa quaisquer elementos que nos levassem a pensar que Florbela esteve alguma vez consciente do suicídio em acto. Sobre o seu desgosto da vida, sobre o seu apego sentimental e filosófico à morte, encontramos bastante. Mas nem uma linha em que ela exteriorize uma teoria ou uma justificação sobre o seu próprio suicídio, o que não quer dizer que ela não tenha falado disso, pelo menos, com os seus mais íntimos e mesmo indirectamente numa carta.

O suicídio é um acto secreto; Antero de Quental premeditou-o, terá inclusivamente respondido à pessoa que lhe vendeu a arma de forma evasiva que a comprava para se defender dos ladrões e depois suicidou-se. Tudo leva a crer que o tivesse mesmo premeditado, tal como Florbela o fez no dia 10 de Dezembro de 1930 à noite, avisando a sua criada Teresa que não ia dormir no quarto do casal, que tinha muitas insónias e dizendo-lhe que não queria ser acordada no dia seguinte sob que pretexto fosse.

Acrescentemos-lhe dois frascos de Veronal que ela terá levado consigo do seu quarto marital e cujos comprimidos terá provavelmente ido coleccionando para obter uma dose suficiente. Contudo, nas vésperas ainda informa as amigas que se vai suicidar no dia seguinte, seu dia de aniversário e que considera tal facto uma prenda de aniversário (a melhor prenda). Ninguém a leva a sério, o suicídio sendo um acto íntimo não se apregoa. Dizer ou não dizer seria o mesmo, teria os mesmos resultados.

Mas, porque é que Florbela quis carregar assim as suas amigas com a responsabilidade de, tendo estas ficado a saber da sua intenção, não terem feito nada para a impedir confirmada depois a verdade das suas palavras?! Talvez porque pensasse que alguém a ia tentar demover?! Que a iam levar a sério numa coisa tão íntima que ultrapassa todas as intimidades de que seguramente falava com as suas amigas. O manejo da morte é complicado…o manejo do suicídio como forma de morte ainda mais.

Voltemos a extractos de Montaigne, agora no Livro II, em «A propósito de uma costume da ilha de Ceos»:

«(…) Tendo Filipe entrado no Peloponeso com o seu exército, disse alguém a Damidas que os lacedemónios muito iram sofrer se não pedissem mercê. Poltrão – Exclamou Damidas – que podem sofrer os que não têm medo da morte?! (…)» Nestes tempos, como noutros, a morte é interpretada como sendo o sofrimento que não tem nenhum outro maior que ele. Florbela, através daquilo que nos escreveu inverte os termos…a vida é o sofrimento maior…«Dona morte dos dedos de veludo, / Fecha-me os olhos que já viram tudo! / Prende-me as asas que voaram tanto!» ( in A morte de Florbela Espanca ).

Contudo, este poema interpreta-se melhor se for visto na perspectiva de ser uma prece à morte, que o é de facto. Contudo seria bom esclarecer aqui que a prece, tal como ela é entendida desde a antiguidade, é um pedido de um favor, de algo que se pretende obter demarcando-se dos outros, ou seja, a prece não é igualitária, é elitista. Mas a temática da morte (que não da morte provocada) é uma constante em Florbela. Formular aqui todas a imagens que sobre ela construiu seria quase trazer todos os seus poemas, mas, de uma forma unitária e geral pudemos entender que a morte, para Florbela, é realmente um culminar, um píncaro, o atingimento de um objectivo colocado mais alto.

Leia este tema completo a partir de 14/2/2011

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