sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Feira livre e transporte alternativo - Por Abilio Pacheco

Feira livre e transporte alternativo - Por Abilio Pacheco

A melhor definição para o transporte alternativo que circula na região metropolitana de Belém eu ouvi de um motorista de van gritando para o cobrador: «Isso aqui é uma feira. Cada um oferecendo seu produto. O cara que não for esperto não se cria». Como ele criou uma boa metáfora e a entendeu como prestador de serviço, vou eu tentar pensá-la pelo ângulo do cliente, consumidor.

Numa feira, além da poluição sonora, da concorrência desenfreada, de produtos de qualidade entre ruim e péssima, da má fiscalização ou mesmo do comércio informal, o cliente deve ter em mente que tem poucos, pouquíssimos direitos ou mesmo direito algum. Fico tentado a cair no lugar comum e dizer que se tem apenas o direito de ficar calado. Apesar disso, a comparação com feira pode ser questionada e perder um pouco em força retórica, argumentativa.

Quando surgiram os transportes alternativos, eles eram entendidos como formas de oferecer à população um serviço diferenciado, seja pelo fato das concessões não cobrirem certas rotas, seja por oferecer um preço melhor (menor em relação aos demais prestadores de serviço, mas sem prejuízo da qualidade, ou com preço mais elevado, porém com qualidade superior). Hoje, o alternativo parece mais se referir a uma alternativa de trabalho e renda para uma parcela da população que uma alternativa, uma opção, para a população.

Em Belém, existe uma linha que vai de um shopping ao outro, por um valor mais alto, porém com melhor atendimento e melhor qualidade (carros com ar condicionado e levando apenas passageiros sentados). Existe também alternativo que cobre rotas precariamente cobertas pelas linhas de ônibus e que cobram preço menor. É para estes que a frase dita por um motorista vale: é uma feira e o cliente que se cuide e se lixe. Até porque existe uma premissa básica que parece perpassar muitos prestadores de serviço (e aqui não falo só dos alternativos): mais o cliente precisa do serviço que eu preciso de cliente. Pode ser também: se um cliente/usuário não quiser tem muitos outros querem.

Certamente, a comparação do motorista se referia apenas à relação de consumo que se estabelece numa feira. Nisso não há o que retocar: é uma feira até no sentido carnavalesco da coisa. Talvez por isso o transporte alternativo nesta, que é a metrópole da Amazônia, seja como é. Entretanto, dando meu tapa de gato, é bom acrescentar algum que extrapole a relação capitalista, mesmo sem abandoná-la de todo.
Peço ao leitor que imagine uma feira, retire dela o aspecto antropológico ligado a afetividade, ao saudosismo e ao seu poder de aglutinação, deixe apenas o que menos tiver de força lírica/poética: os cheiros e as cores da frutas e verduras frescas, o cheiro de folhas e ervas (na principal feira de Belém, o ver-o-peso, isso é abundante), o cheiro de peixe cru, as histórias (a maioria esticadas, longas e vagarosas) que clientes e vendedores contam e escutam, a conversa amiga junto ao feirante e a tranquilidade de se barganhar o preço de um produto ou serviço... deixe o que estiver mais perto do escatológico.

Leia este tema completo a partir de 21/2/2011

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