sábado, 5 de fevereiro de 2011

Sertanojo - Crónica - Por Abilio Pacheco

Sertanojo - Crónica - Por Abilio Pacheco

Uma leitora me pediu uma crônica sobre música sertaneja. Chamou-a de Sertanojo. Disse-me não conseguir ficar num ambiente com música sertaneja e que ao chegar num bar só de sertanejo terminou suportando apenas a custa de muita cerveja. (Nestas horas, gostar de cerveja faz uma diferença.) Ela surpreendeu-se, talvez até tenha se decepcionado com meu gosto musical, quando demonstrei certa afeição ao sertanejo, à música sertaneja.

Afeição sim, mas não a isto que por aí se chama ou chamamos de sertanejo. Convém esclarecer: Até chegarmos nestes cantores jovens com linguagem urbana e calça jeans tocando um ritmo que, ora se aproxima do rock, ora se aproxima das novas mpb’s, e cantando letras que pouco ou nada lembram a atividade não -urbana, tivemos pelo menos duas fases ou gerações de cantores desse gênero que é bem representativo de uma parcela identitária de nossa nação.

Os primeiros sertanejos, ora ou outra chamados «caipiras», hoje chamados clássicos sertanejos, mas também conhecidos como sertanejos de raiz (que eu gosto de chamar «sertanejo de verdade»), cantavam usando o sotaque e vocabulários próprios de sua região; a música estava mais próxima das modas de viola de fins do século 19 e início do 20; a interpretação dos artistas era discreta e mesmo sendo apenas a dupla no palco não havia uma supervalorização do artista em relação à música, a entonação em muito se aproximava de um diálogo ou de um cantar baixinho; as letras versam sobre a vivência numa atividade não urbana e muitas vezes ou eram elaboradas em redondilhas maiores ou contavam uma história.

Não raro era encontrar canções que lembram os rimances, romances medievais , ou seja, narrativas em redondilhas. Um bom exemplo, creio que até bastante conhecido é o Chico Mineiro, que além de tudo ainda apresenta um drama familiar, bem ao gosto clássico, mas também bem próximo da produção literária medieval da península ibérica.

Depois destes, surgem as duplas que ainda hoje estão por aí. São formadas por pessoas cuja origem é rural, foram criados em fazendas e seus pais (ou eles mesmos na infância) desempenharam atividades pecuárias ou agrícolas. O sotaque parece suavizado e o próprio vocabulário empregado passa a se aproximar mais do urbano; as músicas passam a incluir outros instrumentos e a semelhança com a moda de viola vai aos poucos se perdendo; na interpretação, a figura do artista passa a ganhar relevo, surgem os backvocais e a entonação vai ganhando esta característica espremida (de prisão de ventre) que conhecemos hoje; as letras vão abandonando a temática anterior e passando a incorporar o ritmo das cidades e, mesmo as canções de amor, perpassam por questões ligadas à vivência urbana; não só a redondilha deixa de ser usada (afinal, eles não sabem o que é metrificar) como qualquer outra aproximação com a literatura e a cultura literária é abandonada.

Esse processo de empobrecimento artístico só piora depois que alguns artistas passam a fazer carreira solo. O sertanejo ganha adjetivo: romântico-sertanejo.

Hoje já são muitos os qualificativos postos ao «sertanejo» (batidão sertanejo, sertanejo universitário, entre outros). Os cantores em pouco ou nada lembram os cantores caipiras.
O sotaque sumiu de vez e o vocabulário não só é urbano como beira a variação etária da juventude, não vou me assustar se ouvir qualquer dia uma gíria numa canção desses jovens; a música ganhou ritmo moderno, arranjos sofisticados e instrumentos eletrônicos, além da diversidade de músicos no palco; as letras se urbanizaram de vez e o tratamento temático se aproxima do rock ou mesmo do pop -rock, o valor estético costuma sofrer mais a influência de uma cultura musical de outros ritmos que de uma cultura literária.

Leia este tema completo a partir de 7/2/2011


1 comentário:

  1. Abílio, que bom ler este artigo!Lendo-o, lembrei-me que troquei impressões, há bem pouco tempo com o Se Gyn, que também aqui escreve, sobre a música setaneja de raíz, como eu gosto de chamar. Infelizmente a grande maioria dos jovens brasileiros têm vergonha da nossa cultura; eles preferem pensar como os colonizadores culturais (EUA).Curioso eles festejarem o "Halloween" e não saberem sobre o saci-pererê, o boitatá, caipora, a mula-sem-cabeça; só para mencionar alguns. Jamais eles se interessarão por aquilo que aconteceu em 1920, quando Cornélio Pires trouxe uma dupla de cantadores caipiras para SãoPaulo, com o fito de divulgar a verdadeira música brasileira nativa e tudo que ele teve que fazer, para contornar e driblar os diretores de gravadoras de discos(americanos), onde teve que pagar do seu próprio bolso, o custo das gravações e ainda teve que sair de carro por cidades do interior de São Paulo, Minas e Goiás, para divulgar e vender os discos da primeira gravação, "música esta composta pelo próprio Cornélio Pires (a música chama-se "Jorginho do Sertão").Enfim, estou sendo prolixo, mas o assunto me deixa excitado e até nervoso, com o ódio que os mais jovens têm pela musica caipira.Infelizmente alguns brasileiros pensam assim!!!!
    Nós, a minoria, estamos fazendo nossa parte, divulgando as coisas da cultura genuinamente brasileira, cultura esta composta de extratos e caldos dos colonizadores portugueses, pelos africanos e suas crendices, e pelos índios brasucas, que conferiram a "massa" que o bom Deus fez criar vida, formando a alma do povo brasileiro.Estou contigo nessa luta!

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