quinta-feira, 20 de maio de 2010

A EPISTOLOGRAFIA DE FLORBELA - Por Daniel Teixeira

A EPISTOLOGRAFIA DE FLORBELA - Por Daniel Teixeira

Uma das coisas que mais interessante pode notar-se em Florbela Espanca e na imagem que tem sido criada dela é que, sendo Florbela uma «poetiza do amor», do «amor impossível» ou do «amor não correspondido» e tendo ela escrito um diário, amputado nas publicações, é certo, mas mesmo assim um diário, que nele ou nas suas inúmeras cartas que chegam ao conhecimento do público não seja encontrada uma única carta de amor, ou mesmo uma carta que não sendo de forma directa e explícita uma carta de amor, venha a demonstrar os passos de um processo amoroso. Encontram-se alguns traços de galanteria nalguma da sua prosa e pouco mais…

Já escrevemos noutras alturas que a ênfase sobre o amor colocado por Florbela Espanca, na sua poética e na sua prosa é o ideal de um amor platónico no sentido menos sensitivo do mesmo, ou seja, um amor que a existir apenas pode existir pela forma escrita. Não há vestígios de toque, existem referências ao beijo, aos lábios, às mãos e uma razoável quantidade de alegorias e metáforas que têm fundamentado um pretenso erotismo em Florbela Espanca mas que não entram no campo do sensualismo.

Aliás, e correndo o risco de não sermos muito delicados, as únicas referências ou sugestões que se encontram sobre a sexualidade de Florbela Espanca são aquelas que resultam da enunciação dos seus dois abortos espontâneos. Mas vejamos como ela descreve a vida de casada: como um agasalho rodeado de gente simpática e atenciosa.

«E quanto a mim podes finalmente estar sossegado; por um dos tais acasos, mas este raramente feliz, encontrei na vida aquele que o acaso me deveria ter feito encontrar mais cedo. Assim encontrei-o já envelhecida, com pouca saúde e pouco gosto de viver. Tudo o que tem sido possível fazer-se tem-no ele feito por mim: apanhou o farrapinho, aqueceu-o e anda agora com ele junto ao coração como se fosse um tesouro.

Eu não sabia o que era tratarem-me bem, andava a pensar como seria e agora é que o sei. Tanto o meu marido como a família dele são muito meus amigos e cá estou muito bem. Podes pois estar sossegado, meu irmão querido, o teu pesadelo está enfim sem fazer tolices, disposta e envelhecer tranquila e a morrer em paz.»

O que nos resta como imagem visível de Florbela é a sua iconografia, algo agressiva, pouco sensual (mesmo tendo em conta os valores estéticos da época) e algumas referências ao facto de ela ser uma mulher atraente. Isto para além da sua poesia e da sua prosa, como é evidente.

3 comentários:

  1. Olá Daniel

    Antes de mais parabéns pelo seu “fôlego” a nível de escrita textual.
    Este texto já não se pode considerar um artigo sintetizador da epistolografia de Florbela Espanca, mas um estudo exaustivo e completo.
    Deliciei-me ao lê-lo.
    O início do mesmo, para mim, deu a sensação uma carismática e tradicional Florbela, e até me senti um tanto desviada da sua visão sobre ela, tanto na escrita como no estilo de vida.
    Se bem que brilhantemente escrito, como há muito já nos habituou, pareceu-me um apologista da poetiza na sua faceta mais miudinha; sem grande interesse, no entanto com pontos de extraordinária importância a nível da História da Literatura. Mas o final, para mim, foi bombástico, e estou consigo a cem por cento.
    Com o que digo, não quero dizer que ela como escritora não tivesse o seu mérito. Há poemas lindíssimos desta bem portuguesa poetiza.
    Também me lembrei, com este seu magnífico artigo, da escritora Virgínia Woolf, esta igualmente uma estranha mulher, pouco definida a nível pessoal, mas óptima escritora .
    Bem, tenho de terminar.
    Parabéns Daniel, por favor presenteie-nos com mais textos desta qualidade.
    Um abraço amigo.
    Liliana Josué

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  2. Dois simpáticos comentários: um curto e e cheio de música afagando-me o ego no plano estético e um outro um pouco mais comprido e igualmente afagando-me o ego no plano da perspicácia de investigação.

    Estranho, estranho é mesmo que pouca gente repare que Florbela não ama pessoas, ama-se a si mesma e tudo conflui para afago do seu «coraçãozinho»...Cadé a partilha!?

    Daniel

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