sábado, 15 de maio de 2010

A solenidade do buraco - Reflexão de Michel Crayon

A solenidade do buraco - Reflexão de Michel Crayon

O mirone, termo depreciativo normalmente utilizado para quem gosta de ver, não forçosamente porque não gosta de fazer, mas a maior parte das vezes porque não tem mais nada que fazer, é um fenómeno que tem sido referido ao longo da literatura e mesmo na filosofia: Jean Paul Sartre por exemplo utilizou o sistema (mironês) para dizer que não se pode ser espectador e actor ao mesmo tempo, questão que eu acho discutível mas que não vou aqui discutir.

Por sua vez um escritor americano (salvo erro Erskine Caldwell) relata num dos seus romances a luta entre dois indivíduos pela «posse» de um buraco na parede de um armazém naqueles ambientes um pouco surrealistas do campesinato americano dos anos 20 ou 30, com homens de calças de presilhas à jardineiro e ausência de banho anual.

Pois o dito buraco dava para a apreciação não de qualquer coisa extremamente escandalosa, não para a visão intromissora em algo de íntimo e pessoal mas sim para uma extensa pradaria, vazia e sem qualquer significado se fosse vista da porta do dito armazém. O importante era, pois, o buraco, a visão que era proporcionada pelo filtro do buraco, o facto de haver algo a separar o espectador da paisagem, a sensação diferente que era ter de mexer o corpo, e o olho, para olhar para a esquerda ou para a direita, enfim, isto vai continuar!

Quando se trata de obras, sobretudo as públicas, é frequente ver-se nos taipais pequenos furos, apenas suficientemente largos para que uma ou mais pessoas possam espreitar e não sei se por piada se por filosofia empresarial aparecem por vezes os dizeres, acompanhados de seta a feltro :«Espreite por aqui.»

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1 comentário:

  1. Olá Michel Crayon
    Este buraco é um buraco bem esburacado e esmiuçado.
    Este tipo de atenção aos comportamentos humanos só pode vir de quem se interessa profundamente pela mente do seu semelhante. Eu diria que quem se predispõe a espreitar pelo dito buraco é movido também pelo proibído. Logo em pequenos nos ralham pelo facto de espreitarmos pelo buraco da fechadura e creio que isso nos motiva durante o resto da vida (pelo menos a muita gente) a bisbilhotar os hábitos alheios, memo que nada tenham de especial.Tal como os outros este tema daria para muito mais conversa.
    Gostei mesmo.
    Liliana Josué

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