O ESPELHO - Conto por Liliana Josué
No cimo da cómoda antiga o espelho reflectia os cortinados de ramagens coloridas . Um quadrado de sol projectava-se na janela numa tentativa de alegrar um pouco aquelas flores um tanto desiludidas.
No cimo da cómoda antiga o espelho reflectia os cortinados de ramagens coloridas . Um quadrado de sol projectava-se na janela numa tentativa de alegrar um pouco aquelas flores um tanto desiludidas.
Pequenas prateleiras exibiam fotografias sem cor e vida ausente. Apenas as mais recentes proporcionavam alguma vitalidade às mais antigas. No tampo, um candeeiro com pé de bronze, modelado num menino semi-nu repleto de caracóis e olhar inocente, erguia o braço direito suportando um globo de vidro branco - fosco, enquanto a esquerda segurava na cintura um pano enrolado que lhe cobria as zonas mais íntimas do corpo.
Caixas de vários tamanhos , cores e materiais cobriam quase totalmente esse espaço de mármore branco de veios acastanhados e róseos. Por fim um Santo António estilizado, mostrando o Menino Jesus, ali permanecia abandonado, olhando resignadamente o espaço à sua volta.
Lá fora os sons corriam indefinidos, como suspiros destilados pelo mundo cansado.
Rosa arrastou a cadeira de assento de veludo verde seco e costas em espaldar, sentou-se nela e fixou os olhos castanhos no espelho majestoso e emproado. Num gesto ausente soltou o cabelo, antes aconchegado em torno da cabeça numa farta trança. Nunca quisera pintá-lo, gostava dele assim, era o seu cabelo, agora solto espraiando-se pelas costas e ombros em matizes brancos e negros.
Rosa arrastou a cadeira de assento de veludo verde seco e costas em espaldar, sentou-se nela e fixou os olhos castanhos no espelho majestoso e emproado. Num gesto ausente soltou o cabelo, antes aconchegado em torno da cabeça numa farta trança. Nunca quisera pintá-lo, gostava dele assim, era o seu cabelo, agora solto espraiando-se pelas costas e ombros em matizes brancos e negros.
O corpo ainda gracioso não pretendia esconder o peso dos seus sessenta anos. O rosto era níveo e levemente rosado marcado por algumas rugas. Emoldurado naquele espelho lembrava uma pintura romântica. O simples vestido de lã vermelho-escuro ajudava a completar aquela pintura ao vivo de mulher madura e bonita.
O sol foi-se afastando sem que ela o notasse, até que a escuridão da noite ofuscou o enorme espelho. A sua imagem reflectida tornou-se um simples vulto; deixou de ter formas precisas ; o rosto passou a ser apenas uma mancha projectada.
Sara prometera que chegaria cedo, mas com os tempos que corriam nunca havia certezas. Trabalhava numa tipografia, e com menos quinze anos que Rosa a reforma ainda estava longe. Não se podia dar ao luxo de ficar em casa e fazer o que lhe desse na gana.
Olhou para o relógio mas a escuridão impediu-a de ver as horas. Foi quando decidiu acender a luz do candeeiro de pé de bronze com o menino a segurar o globo.
Olhou para o relógio mas a escuridão impediu-a de ver as horas. Foi quando decidiu acender a luz do candeeiro de pé de bronze com o menino a segurar o globo.
Ainda não era tarde, mas naquela época do ano escurecia relativamente cedo, no entanto a hora de jantar já ia avançada mas resolveu esperar mais um pouco, não gostava de comer sozinha embora isso já fizesse parte do seu dia a dia havia algum tempo.
Continuou sentada olhando-se no espelho, espiando todas as suas expressões e gestos como se se tratasse duma desconhecida. O passado fora engolido por ele; o presente sentava-se a seu lado, quanto ao futuro via-o cada vez mais próximo.
Sempre fora uma mulher firme e decidida, não se deixando intimidar por pressões ou preconceitos, assumira-se como era, por isso mesmo sofrera no corpo e na alma a recusa à hipocrisia. Ainda jovem essa atitude valera-lhe algumas perseguições e más vontades, principalmente entre os familiares.
Leia este tema completo a partir de 29/11/2010
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