Coluna de Manuel Fragata de Morais - A prece dos mal amados - Capítulo três - Os que vieram pelo mar fora
São como os búzios que levam presa,
no seu labirinto de nácar, a música do mar.
(Mário Vargas Llosa)
Nataniel perscrutou atentamente o soldado cubano, e sorriu perante a fala estranha. Entendera que havia estrangeiros a lutar em Angola, quando o povo aterrado que fugia de outras zonas falou de sul-africanos e mercenários brancos, todavia nunca os vira.
Deslumbrado, olhava para a vastidão de fardas verdes, com bonés da mesma cor, gente fortemente armada, parte dela engajada em amena conversa com a população, que se deslocara da aldeia para onde estavam acampados.
Não muito longe, uma gama infinda de tanques e outros carros blindados, assim como camiões que lhe pareciam gigantes, com rodas mais altas do que ele. Movimentavam-se por todo lado, entre eles, muitos negros e mestiços e há dias que observava com interesse um que, pela ligeira diferenciação de tratamento revelava que talvez fosse o chefe, um negro alto e de voz rouca com um riso contagiante. Foi-se chegando, pouco a pouco, fingindo despretensão e quedou-se, parado, a olhar para ele como se de algum bicho estranho se tratasse. O cubano achou graça, nunca se vira esquadrinhado de tal modo. Deu um ligeiro passo em frente
- Como te llamas? – perguntou-lhe e, perante a cara de espanto do garoto, ajuntou – Nombre, tu nombre?
Nataniel não soube o que responder.
Nombre?
Soou-lhe meio familiar a palavra e, por intuição respondeu, arriscando.
- Meu nome? Estás a perguntar pelo meu nome?
- Si, tu nome, como te llamas?
- Sou o Nataniel.
- Nataniel!...Me gusta. Quantos años tienes? – insistiu, passando-lhe uma pequena barra de chocolate.
Riu outra vez, o desconforto ainda o dominava. O idioma parecia-lhe o português, mas não era.
Anhos, anhos, quantos anhos tienes?
Só poderia ser quantos anos tens. Decidiu confirmar.
- Anos? Tenho treze.
- Tresse años? Mui bien, y quien son tus padres?
Surpreso, enxergou à volta a ver por onde teriam chegado ao que sabia nunca os vira interessados pelas coisas militares ou assuntos da tropa, todavia com toda aquela confusão, poderia ser que tivessem vindo observar os novos estranhos, a curiosidade era para todos. Mas que ele soubesse, a aldeia só tinha um padre e que se encontrava ausente. Seriam outros? Tornou a olhar e não viu nenhum.
- Padres, mas que padres, não vejo qualquer padre.
O oficial cubano percebeu a perplexidade da criança e notando que a palavra seria certamente outra, sorriu. Estava a gostar do exercício, da descoberta das palavras e das ciladas que criavam quando fora do contexto.
- Tu papá, tu maman.
- Pai, meu pai e minha mãe! – E igualmente rindo, corrigiu - Não é padre, padre é quem reza a missa, o missionário.
- Hombre! Pués padre es missionário en português? Entonces madre será missionária, no és asi?
- Padre é missionário e madre é a mesma coisa.
- Assi pae y mae son papá y mamá, non?
- Sim, é isso. Mas de que terra vieste?
- Mira, soy cubano – disse com orgulho - Estamos aquí para ayudar el gobierno contra las fuerzas imperialistas yanquis, los fantoches zairenses y los racistas sudafricanos. Nuestro presidente es Fidel de Castro, muy grande amigo de Agostino Neto. Tu tanbien bas a ser mi amigo, no?
- Teu amigo? Claro que sim.
- Mui bien, pero quien son tu papá y tu mamá?
- Sou filho do camarada Epalanga e da camarada Zeferina. O meu avô é o soba grande, o camarada Juba de Leão.
- Soba?!...
- Soba é o chefe. O meu avô Juba de Leão é o chefe de toda esta região, ele é quem manda no povo.
Leia este tema completo a partir de 28/03/2011
São como os búzios que levam presa,
no seu labirinto de nácar, a música do mar.
(Mário Vargas Llosa)
Nataniel perscrutou atentamente o soldado cubano, e sorriu perante a fala estranha. Entendera que havia estrangeiros a lutar em Angola, quando o povo aterrado que fugia de outras zonas falou de sul-africanos e mercenários brancos, todavia nunca os vira.
Deslumbrado, olhava para a vastidão de fardas verdes, com bonés da mesma cor, gente fortemente armada, parte dela engajada em amena conversa com a população, que se deslocara da aldeia para onde estavam acampados.
Não muito longe, uma gama infinda de tanques e outros carros blindados, assim como camiões que lhe pareciam gigantes, com rodas mais altas do que ele. Movimentavam-se por todo lado, entre eles, muitos negros e mestiços e há dias que observava com interesse um que, pela ligeira diferenciação de tratamento revelava que talvez fosse o chefe, um negro alto e de voz rouca com um riso contagiante. Foi-se chegando, pouco a pouco, fingindo despretensão e quedou-se, parado, a olhar para ele como se de algum bicho estranho se tratasse. O cubano achou graça, nunca se vira esquadrinhado de tal modo. Deu um ligeiro passo em frente
- Como te llamas? – perguntou-lhe e, perante a cara de espanto do garoto, ajuntou – Nombre, tu nombre?
Nataniel não soube o que responder.
Nombre?
Soou-lhe meio familiar a palavra e, por intuição respondeu, arriscando.
- Meu nome? Estás a perguntar pelo meu nome?
- Si, tu nome, como te llamas?
- Sou o Nataniel.
- Nataniel!...Me gusta. Quantos años tienes? – insistiu, passando-lhe uma pequena barra de chocolate.
Riu outra vez, o desconforto ainda o dominava. O idioma parecia-lhe o português, mas não era.
Anhos, anhos, quantos anhos tienes?
Só poderia ser quantos anos tens. Decidiu confirmar.
- Anos? Tenho treze.
- Tresse años? Mui bien, y quien son tus padres?
Surpreso, enxergou à volta a ver por onde teriam chegado ao que sabia nunca os vira interessados pelas coisas militares ou assuntos da tropa, todavia com toda aquela confusão, poderia ser que tivessem vindo observar os novos estranhos, a curiosidade era para todos. Mas que ele soubesse, a aldeia só tinha um padre e que se encontrava ausente. Seriam outros? Tornou a olhar e não viu nenhum.
- Padres, mas que padres, não vejo qualquer padre.
O oficial cubano percebeu a perplexidade da criança e notando que a palavra seria certamente outra, sorriu. Estava a gostar do exercício, da descoberta das palavras e das ciladas que criavam quando fora do contexto.
- Tu papá, tu maman.
- Pai, meu pai e minha mãe! – E igualmente rindo, corrigiu - Não é padre, padre é quem reza a missa, o missionário.
- Hombre! Pués padre es missionário en português? Entonces madre será missionária, no és asi?
- Padre é missionário e madre é a mesma coisa.
- Assi pae y mae son papá y mamá, non?
- Sim, é isso. Mas de que terra vieste?
- Mira, soy cubano – disse com orgulho - Estamos aquí para ayudar el gobierno contra las fuerzas imperialistas yanquis, los fantoches zairenses y los racistas sudafricanos. Nuestro presidente es Fidel de Castro, muy grande amigo de Agostino Neto. Tu tanbien bas a ser mi amigo, no?
- Teu amigo? Claro que sim.
- Mui bien, pero quien son tu papá y tu mamá?
- Sou filho do camarada Epalanga e da camarada Zeferina. O meu avô é o soba grande, o camarada Juba de Leão.
- Soba?!...
- Soba é o chefe. O meu avô Juba de Leão é o chefe de toda esta região, ele é quem manda no povo.
Leia este tema completo a partir de 28/03/2011
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