Texto sobre Florbela Espanca - Parte VIII - FLORBELA E O DONJUANISMO - Por Daniel Teixeira
FLORBELA E O DONJUANISMO
Assiste-se ao nascer e ao desenvolver do sentimento e à interiorização do absurdo descrito mais tarde por Camus no seu Mito de Sísifo, por exemplo:
«O homem absurdo não é servo de nenhum código moral; é, antes, um consciente imitador dos protótipos vivos da sua atitude: D. Juan, o comediante e o conquistador. O primeiro põe em acto «uma ética da quantidade, ao contrário do santo que tende para a qualidade» (p. 92). Para o segundo, a arte consiste em «fingir absolutamente, entrar o mais profundamente possível em vidas que não são suas» (p. 101). O terceiro, o conquistador, é aquele que se excede por ter consciência da grandeza do espírito humano, «mergulhando no mais ardente da alma das revoluções» (p. 110). Mas a «mais absurda das personagens (...) é o criador» (p. 114), e «a alegria absurda por excelência é a criação» (p. 118), ainda que esta seja para nada.»
Voltaremos a estes termos «criação e nada» tão presentes em Florbela, e igualmente faremos realçar a personagem de D. Juan cujo seguidismo é sugerido existir em Florbela por vários autores. Contudo seria bom desde já deixar claro que a ideia que se tem correntemente, de D. Juan e do Donjuanismo (mesmo contando com as reformulações que lhe foram trazidas quer pela música quer pelas reposições temáticas ao longo de mais de duzentos anos) não se pode resumir a alguns aspectos freudianos (que são bastante interessantes, nalguns casos, diga-se de passagem, e até muito ridículos noutros casos, diga-se também).
D. Juan (aquele D. Juan que se foi perpetuando) não é mais que uma imagem ajustada de Zeus já na sua fase decadente, de Deus da ira (contra os metafóricos Titãs) a Deus do perdão e fusão com o mundo dos homens em que a sua «vida» era já motivo de risota superadora dos gregos dadas as suas aventuras amorosas e a eterna perseguição da sua mulher e irmã Hera.
Há também, em D. Juan, um pouco da inconstância e falha de virtudes de um Paris indirectamente originador da guerra de Tróia. Aliás, uma das interpretações freudianas que vimos da personagem de D. Juan detém-se precisamente neste tipo de característica; alguma inconsciência ou falta de capacidade de valorização entre o Bem e Mal acrescida de uma sumária equiparação a um Cupido que se «recusa a crescer» ( «complexo» de Peter Pan ) transformado no próprio Eros com o qual o «burlador» acaba também por ter afinidades nesta sua característica dado que Eros depois de ter conseguido convencer a Terra a copular com o Céu se apropria dela, fazendo-a sua não no sentido físico mas sim no sentido da dominância.
Mas Zeus, uma personagem omnipresente desde os princípios da humanidade é um pouco ou muito o homem ele mesmo vivendo as contradições que são próprias do relacionamento entre os sexos. As suas fugas ao «obstáculo» Hera (sua mulher) não serão mais do que entraves psíquicos postos pela lenda de forma a dificultar a acção de Zeus (neste caso) e valorizar o que não seria valorizável: como Senhor dos Deuses teria seguramente mais poderes que as mortais ou semi-deusas ou deusas que seduzia o que tornaria cada «conquista» um aborrecimento mítico.
«(…)Para Homero, Zeus era imaginado de duas maneiras diferentes. Representado como o deus da justiça e da misericórdia, o protector dos fracos e o punidor do mau. Como marido de sua irmã Hera, ele é o pai de Ares, o deus da guerra; Hebe, a deusa da juventude; Hefaísto, o deus do fogo; e Ilíthia, deusa do parto.(…)»
Nesta primeira parte da visão de Homero sobre Zeus a abordagem é Moral e Etica, em certo sentido límpida e virtuosa. Daí que tenhamos alguma dificuldade em entender a sua outra face, a face licenciosa e amoral. Mas desde quase sempre ou mesmo sempre o mundo tem sido «regulado» por dualidades e oposições e aceita-se, também quase desde sempre, que uma prefiguração contraditória acaba por servir de termo antagonicamente comparativo e facultador da opção para a escolha de um dos termos, fomentando assim as réstias do livre arbítrio necessário ao equilíbrio humano.
Ainda Homero «(…)Ao mesmo tempo, Zeus é descrito como um deus que se apaixona por uma mulher a cada instante e usando de todos os artifícios para esconder sua infidelidade da esposa. Os relatos de suas travessuras eram numerosos na mitologia antiga, e muitos de seus filhos eram o produto de seus casos de amor tanto com deusas quanto com mulheres mortais.
Acredita-se que, com o desenvolvimento de um sentimento de ética na vida grega, a ideia de um deus lascivo, algumas vezes um ridículo deus – pai tornava-se desagradável, e então as lendas posteriores tenderam a apresentar Zeus com uma luz mais gloriosa. Seus muitos casos com mortais às vezes são explicados como o desejo dos primeiros gregos de traçar sua linhagem até ao pai dos deuses.» ( Nota de D.T.: O que não deixa de ser um «sacrilégio» tornando pior a emenda que o soneto, como se costuma dizer).
Leia este tema completo a partir de 28/03/2011
FLORBELA E O DONJUANISMO
Assiste-se ao nascer e ao desenvolver do sentimento e à interiorização do absurdo descrito mais tarde por Camus no seu Mito de Sísifo, por exemplo:
«O homem absurdo não é servo de nenhum código moral; é, antes, um consciente imitador dos protótipos vivos da sua atitude: D. Juan, o comediante e o conquistador. O primeiro põe em acto «uma ética da quantidade, ao contrário do santo que tende para a qualidade» (p. 92). Para o segundo, a arte consiste em «fingir absolutamente, entrar o mais profundamente possível em vidas que não são suas» (p. 101). O terceiro, o conquistador, é aquele que se excede por ter consciência da grandeza do espírito humano, «mergulhando no mais ardente da alma das revoluções» (p. 110). Mas a «mais absurda das personagens (...) é o criador» (p. 114), e «a alegria absurda por excelência é a criação» (p. 118), ainda que esta seja para nada.»
Voltaremos a estes termos «criação e nada» tão presentes em Florbela, e igualmente faremos realçar a personagem de D. Juan cujo seguidismo é sugerido existir em Florbela por vários autores. Contudo seria bom desde já deixar claro que a ideia que se tem correntemente, de D. Juan e do Donjuanismo (mesmo contando com as reformulações que lhe foram trazidas quer pela música quer pelas reposições temáticas ao longo de mais de duzentos anos) não se pode resumir a alguns aspectos freudianos (que são bastante interessantes, nalguns casos, diga-se de passagem, e até muito ridículos noutros casos, diga-se também).
D. Juan (aquele D. Juan que se foi perpetuando) não é mais que uma imagem ajustada de Zeus já na sua fase decadente, de Deus da ira (contra os metafóricos Titãs) a Deus do perdão e fusão com o mundo dos homens em que a sua «vida» era já motivo de risota superadora dos gregos dadas as suas aventuras amorosas e a eterna perseguição da sua mulher e irmã Hera.
Há também, em D. Juan, um pouco da inconstância e falha de virtudes de um Paris indirectamente originador da guerra de Tróia. Aliás, uma das interpretações freudianas que vimos da personagem de D. Juan detém-se precisamente neste tipo de característica; alguma inconsciência ou falta de capacidade de valorização entre o Bem e Mal acrescida de uma sumária equiparação a um Cupido que se «recusa a crescer» ( «complexo» de Peter Pan ) transformado no próprio Eros com o qual o «burlador» acaba também por ter afinidades nesta sua característica dado que Eros depois de ter conseguido convencer a Terra a copular com o Céu se apropria dela, fazendo-a sua não no sentido físico mas sim no sentido da dominância.
Mas Zeus, uma personagem omnipresente desde os princípios da humanidade é um pouco ou muito o homem ele mesmo vivendo as contradições que são próprias do relacionamento entre os sexos. As suas fugas ao «obstáculo» Hera (sua mulher) não serão mais do que entraves psíquicos postos pela lenda de forma a dificultar a acção de Zeus (neste caso) e valorizar o que não seria valorizável: como Senhor dos Deuses teria seguramente mais poderes que as mortais ou semi-deusas ou deusas que seduzia o que tornaria cada «conquista» um aborrecimento mítico.
«(…)Para Homero, Zeus era imaginado de duas maneiras diferentes. Representado como o deus da justiça e da misericórdia, o protector dos fracos e o punidor do mau. Como marido de sua irmã Hera, ele é o pai de Ares, o deus da guerra; Hebe, a deusa da juventude; Hefaísto, o deus do fogo; e Ilíthia, deusa do parto.(…)»
Nesta primeira parte da visão de Homero sobre Zeus a abordagem é Moral e Etica, em certo sentido límpida e virtuosa. Daí que tenhamos alguma dificuldade em entender a sua outra face, a face licenciosa e amoral. Mas desde quase sempre ou mesmo sempre o mundo tem sido «regulado» por dualidades e oposições e aceita-se, também quase desde sempre, que uma prefiguração contraditória acaba por servir de termo antagonicamente comparativo e facultador da opção para a escolha de um dos termos, fomentando assim as réstias do livre arbítrio necessário ao equilíbrio humano.
Ainda Homero «(…)Ao mesmo tempo, Zeus é descrito como um deus que se apaixona por uma mulher a cada instante e usando de todos os artifícios para esconder sua infidelidade da esposa. Os relatos de suas travessuras eram numerosos na mitologia antiga, e muitos de seus filhos eram o produto de seus casos de amor tanto com deusas quanto com mulheres mortais.
Acredita-se que, com o desenvolvimento de um sentimento de ética na vida grega, a ideia de um deus lascivo, algumas vezes um ridículo deus – pai tornava-se desagradável, e então as lendas posteriores tenderam a apresentar Zeus com uma luz mais gloriosa. Seus muitos casos com mortais às vezes são explicados como o desejo dos primeiros gregos de traçar sua linhagem até ao pai dos deuses.» ( Nota de D.T.: O que não deixa de ser um «sacrilégio» tornando pior a emenda que o soneto, como se costuma dizer).
Leia este tema completo a partir de 28/03/2011
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