sexta-feira, 18 de março de 2011

Literatura e Memória. - Por Arlete Deretti Fernandes - Marcel Proust - «Em busca do Tempo Perdido»

Literatura e Memória. - Por Arlete Deretti Fernandes - Marcel Proust - «Em busca do Tempo Perdido»

Marcel Proust - «Em busca do Tempo Perdido»

«Em Busca do Tempo Perdido», da autoria do escritor francês Marcel Proust, (1871-1922), consta de sete romances. Proust é uma das figuras mais importantes da literatura francesa.

Nesta Obra, sobre o fundo da alta sociedade francesa, entre 1880 e 1910, o autor traça um panorama universal de insuperável plenitude, como sentimentos e relações humanas, a vida infantil, as fases todas do amor, até a velhice e a morte. Todo o mundo exterior, o jardim, o mar, a metrópole, o sol, o outono, a multidão. Tudo isto foi escrito por ele de forma tão inédita que se têm ao lê-lo a impressão de ser observado pela primeira vez.

No primeiro volume, denominado «No Caminho de Swann,» no capítulo I, que tem o
título de «Combray» (nome fictício da pequena cidade francesa, hoje chamada Illié), Marcel, que também é o nome do narrador, uma espécie de alter-ego do autor, adulto, se remete à infância, a recordar os lugares, as pessoas que ali conhecera e tudo o que delas tenha visto, em pormenores. Ele seleciona particularidades e detalhes. Revela neste romance um mundo completo e autônomo, que faz-nos ver de maneira diferente o cotidiano. Seus temas são musicais, melódicos e matemáticos.

Do ponto de vista intelectual, a construção deste romance é muito rigorosa. Há uma magnitude na obra. Proust faz muitas fusões e composições literárias.

Na página 45 do mesmo volume, no parágrafo 2º_, numa passagem, o narrador relata no estilo minucioso do autor:

«Muitos anos fazia que, de Combray, tudo quanto não fosse o teatro e o drama do meu deitar não mais existia para mim, quando, por um dia de inverno ao voltar para casa, vendo minha mãe que eu tinha frio, ofereceu-me chá, coisa que era contra meus hábitos.


A princípio recusei, mas, não sei por que, terminei aceitando. Ela mandou buscar um desses bolinhos pequenos e cheios chamados madalenas e que parecem moldados na valva estriada de uma concha de S. Tiago. Em breve, maquinalmente, acabrunhado com aquele triste dia e a perspectiva de mais um dia tão sombrio como o primeiro, levei aos lábios uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madalena. Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas de bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadiu-me um prazer delicioso, isolado, sem noção de sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferente às vicissitudes da vida, inofensivos os seus desastres, ilusória sua brevidade, tal como o faz o amor, enchendo-me de uma preciosa essência: ou antes, essa essência não estava em mim; era eu mesmo. Cessava de me sentir medíocre, contingente, mortal.


De onde me teria vindo aquela poderosa alegria? Senti que estava ligada ao gosto do chá e do bolo, mas que o ultrapassava infinitamente e não devia ser da mesma natureza.
De onde vinha? Que significava? Onde apreendê-la? Bebo um segundo gole em que não encontro nada de mais que no primeiro, um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. Tempo de parar, parece que está diminuindo a virtude da bebida. E claro que a virtude que procuro não está nela, mas em mim. A bebida a despertou, mas não a conhece, e só o que pode fazer é repetir indefinidamente, cada vez com menos força, esse mesmo testemunho que não sei interpretar e que quero tornar a solicitar-lhe daqui há um instante e encontrar intacto à minha disposição, para um esclarecimento decisivo.


Deponho a taça e volto para o meu espírito. E a ele que compete achar a verdade. Mas como? Grave incerteza, todas as vezes em que o espírito se sente ultrapassado por si mesmo, quando ele, o explorador, é ao mesmo tempo o país escuro a explorar e onde todo o seu equipamento de nada lhe servirá.»

Leia este tema completo a partir de 21/03/2011

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