COLUNA DE ROSA PENA - Foi real?
Era tarde e a cidade era estranha para mim. Tomei um táxi. Não conseguia ficar quieta, então puxei assunto com o motorista, fingindo que sabia onde estava para que ele não me roubasse na corrida. Desconfiança de cara que me saiu cara . A nuca e os braços dele eram belos.
O rosto, apenas vi uma silhueta na penumbra. Perguntei se trabalhava há muito tempo na praça. Respondeu-me que desde que perdera seu emprego.
Reparei que olhava pelo retrovisor meu rosto, que devia estar com ar assustado. Disfarcei algo que já não sabia se era receio de ser roubada ou se era o clima que percebia pairando no ar.
Um homem e uma mulher na escuridão.
Pergunta-me o que faço. Respondo que dou aula e adoro escrever poesias.
— Onde?
— Na net.
— Gosta da internet?
— Gosto. Nela dou vazão às minhas fantasias, volto a ser adolescente em meus sonhos, brinco muito como se tivesse sete aninhos. Talvez perigoso para a saúde mental, um mundo irreal como dizem muitos. Uma fuga total da realidade, decretam outros.
— Também uso a net.
— Gosta?
— Muito, lá não tem a loucura do trânsito, do compre, compre sem parar, do presente que não tenho grana para dar ao meu filho. Lá sou apenas Marcelo, um homem de quarenta e poucos anos que pode rir e chorar, que pode ficar sem fazer a barba por dias, que pode conquistar a gata loiríssima, que pode ver lua em dia de chuva. Hoje, aqui não tem lua, quisera eu que tivesse.
— Viver na mentira?
— O que é a verdade afinal? A verdade é a taxa alta de triglicerídeos, é a falta de grana pra pagar o IPTU, é a guerra no Golfo, é a chuva que alaga, é a seca da pobreza, é a bala que mata, é o Frontal para se conseguir dormir, é a cocaína, é a falta de pão, é a fome de abraços, é o câncer de mama que levou minha mulher, é a alface com agrotóxicos, é o crime hediondo? Isso que é a verdade?
— Existem outras verdades bonitas na vida real.
— Existem outras verdades sim, mas que só consigo ver depois de uns goles, de tão difícil que está a vida aqui fora. Lá eu as vejo com a cara limpa.
Era tarde e a cidade era estranha para mim. Tomei um táxi. Não conseguia ficar quieta, então puxei assunto com o motorista, fingindo que sabia onde estava para que ele não me roubasse na corrida. Desconfiança de cara que me saiu cara . A nuca e os braços dele eram belos.
O rosto, apenas vi uma silhueta na penumbra. Perguntei se trabalhava há muito tempo na praça. Respondeu-me que desde que perdera seu emprego.
Reparei que olhava pelo retrovisor meu rosto, que devia estar com ar assustado. Disfarcei algo que já não sabia se era receio de ser roubada ou se era o clima que percebia pairando no ar.
Um homem e uma mulher na escuridão.
Pergunta-me o que faço. Respondo que dou aula e adoro escrever poesias.
— Onde?
— Na net.
— Gosta da internet?
— Gosto. Nela dou vazão às minhas fantasias, volto a ser adolescente em meus sonhos, brinco muito como se tivesse sete aninhos. Talvez perigoso para a saúde mental, um mundo irreal como dizem muitos. Uma fuga total da realidade, decretam outros.
— Também uso a net.
— Gosta?
— Muito, lá não tem a loucura do trânsito, do compre, compre sem parar, do presente que não tenho grana para dar ao meu filho. Lá sou apenas Marcelo, um homem de quarenta e poucos anos que pode rir e chorar, que pode ficar sem fazer a barba por dias, que pode conquistar a gata loiríssima, que pode ver lua em dia de chuva. Hoje, aqui não tem lua, quisera eu que tivesse.
— Viver na mentira?
— O que é a verdade afinal? A verdade é a taxa alta de triglicerídeos, é a falta de grana pra pagar o IPTU, é a guerra no Golfo, é a chuva que alaga, é a seca da pobreza, é a bala que mata, é o Frontal para se conseguir dormir, é a cocaína, é a falta de pão, é a fome de abraços, é o câncer de mama que levou minha mulher, é a alface com agrotóxicos, é o crime hediondo? Isso que é a verdade?
— Existem outras verdades bonitas na vida real.
— Existem outras verdades sim, mas que só consigo ver depois de uns goles, de tão difícil que está a vida aqui fora. Lá eu as vejo com a cara limpa.
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