domingo, 14 de novembro de 2010

Crônica de domingo - Por Se Gyn

Crônica de domingo - Por Se Gyn

Domingo é um dia esquisito. A sua espera não corresponde, quase nunca, ao otimismo de sua espera. Chegado o domingo e o seu longo rosário de horas, o que fazer? Sair para comprar o jornal, se abalar para o supermercado em busca de víveres para casa, pendurar na parede um quadro novo na parede, ir num almoço de aniversário de um parente (oh-oh!), dar uma geral no carro, ir ao shopping pagar as prestações vencidas... Não, ao domingo não foram destinados momentos e oportunidades para as coisas épicas. Tudo parece amortecer o brilho ou o efeito, diante do diálogo mortiço que ocorre entre os minutos que se sucedem preguiçosos.

Um amigo liga de longe, dizendo de saudades, mas cadê coragem para atravessar a cidade e, encontrá-lo para colocar a conversa em dia? Os adventistas, de pastinhas executivas pretas numa das mãos, tocam a campainha e fincam pé diante do portão e, só depois do latido insistente das cadelas e, que se vão. No quintal da casa, o chão está pontuado do vermelho dos cajus - que estão menores depois de trinta dias de «águas» e, pedem uma limpeza urgente. Como recompensa, descubro a pitangueira cheia de frutos já roxos, na horinha de serem devorados - eu, antes dos pardais e periquitos.

Não demora e saio à rua para comprar o jornal de domingo - sempre mais gordinho e, com coisas interessantes e, variadas para se ver. Dizem que, em breves dias, os jornais impressos vão se acabar, pois os Ipads da vida vão terminar o serviço que a Internet começou. E eu temo este dia, menos pela qualidade pífia do jornalismo encontrado nos portais e sites da Internet, onde os jornalistas, em geral fazem de fatos aquilo que alguém escreveu e, publicou antes, do que pela perda deste meu arraigado e prazeroso costume de sair de casa com o único compromisso de comprar os jornais e alguma revista semanal, para ler em casa, numa ordem muito aleatória, onde até os vistosos cadernos de anúncio de móveis e eletrodomésticos me roubam a atenção.

A revista semanal de que gosto não havia chegado, ainda. E os jornais não traziam nada de muito interessante, na capa. «Benza Deus!», penso eu, que os últimos meses têm sido de manchetes locais e nacionais impressionantes, em letras garrafais - para usar um termo da época em que não se falava em «fonte». Não sei porque chamam o «tipo» ou «modelo» de letra de «fonte». E suponho, por outro lado, que não exista muita gente que se recorde do que seja «tipo».

Comprei apenas um jornal local - bem gordinho, pois além dos cadernos normais do domingão, está cheio de cadernos de ofertas, já que, para o comércio, o Natal começa em novembro. Em casa, sento-me à mesa da varanda e, examino a capa. Formação de equipe de governo, corrida de fórmula 1, futebol e, coisas assim. No canto direito, uma chamada para uma série de matérias relativas ao centenário da morte do grande Liev Tolstói. «Taí!», penso e, separo o caderno de cultura, para ler depois.

No primeiro caderno, notícia do massacre de cristãos, na verdade, católicos, no Iraque, sob patrocínio da Al Qaeda. Estão perseguindo e, matando cristãos em muitos lugares do mundo. Mas, ninguém tem coragem de ir muito fundo no assunto, nem de tratar a questão de uma forma mais sistêmica. Ora, num tempo de patrulhas políticas, ideológicas (na América Latina, é só o que dá...) e, do «politicamente correto», o silêncio é menos covardia, do que método. De repente me vem à mente uma canção do musical «Hair»: «...Age of aquarius/ age of aquarius/ age of aquarius...». Muito cínico. Mas, é como reago, quanto a este tempo e, estas situações...

Lá pelo fim do primeiro caderno, uma outra notícia me chama à atenção, embora suspeite que ela tenha sido objeto de uma operação ctrl+c+save+ctrl+p: «cientistas argentinos e brasileiros obtém impressionantes imagens de alta resolução da crosta solar». Resolvo ler. E depois que descrevem o que os cientistas deduzem das fotos, a fala de um deles é destacada, dizendo que o sol anda num momento de estranha calmaria, já que deveria estar entrando em mais um ciclo de intensa atividade, o que ocorre de onze em onze anos.

Leia este tema completo a partir de 15/11/2010

1 comentário:

  1. Bela narrativa, Se Gyn!
    Simples e bem feita; justa entre uma crônica e uma expressão do pensamento universal.

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