domingo, 24 de outubro de 2010

Chegada ao futuro - Conto de Arlete Piedade

Chegada ao futuro - Conto de Arlete Piedade

O pequeno carro avançava pela estrada recentemente asfaltada, talvez na sequência da construção das rotundas que em lugar dos antigos cruzamentos, obrigavam agora os carros a desenharem um semi-circulo, ou até um circulo completo, em volto do núcleo ajardinado, como um pequeno monte que tivesse surgido ali de geração espontânea.
Dentro do carro, um Opel Corsa vermelho escuro com a tinta desbotada pelo sol, a sua condutora seguia com a sua condução quase automatizada, em ritmo monótono, só quebrado pela passagem de mais uma rotunda.

A volta da estrada negra com o alcatrão novo e os traços brancos pintados de fresco, os campos estendiam-se, para lá dos montes e dos vales, onde se adivinhava as águas do rio a caminho do seu confluente. Aguas já tantas vezes poluídas pelas descargas da fábricas de curtumes, agora encerradas. Águas agora finalmente limpas!

A beira da estrada, as velhas oliveiras desfilavam uma a uma, enquanto as filas mais afastadas pareciam entretidas num vira, ou talvez um fandango, quem sabe um corridinho...não, não, corridinho não, exclamou a condutora do Opel em surdina! Vou devagar não dá para dançar o corridinho, pois, é isso, nada contra os dançadores de corridinhos!
E não é que tinham azeitonas, as velhas oliveiras...imagens de infância, o pai a apanhar as azeitonas, o cheiro do ar a outono, a chuva, as couves com feijões e miolos de pão de milho, as sardinhas assadas...os panos de serapilheira estendidos no chão e as azeitonas a caírem lá dentro, verdes e negras, com ramos agarrados...os risos da irmã, a voz da mãe quase jovem...

Agora podia ter ido ver se as velhas oliveiras, tinham azeitonas para apanhar...fazia jeito os litros de azeite, o ano ia ser de vacas magras, cada vez mais magras, mais cintos para apertar, se ela usasse cinto é claro. Uma saudade atroz dilacerou o peito, e as lágrimas marejaram os olhos enevoando a visão da fita de alcatrão. Os incêndios do verão tinham queimado os olivais que o pai comprara, antes de ir repousar para sempre na terra fria.

Fez a curva apertada antes de entrar na vila e uma visão surgiu de há quarenta anos atrás, e um som a acompanhava. Talvez uma motocicleta, talvez um amor de adolescência, sim era ele! O amor que o pai reprovou, e que ela não esqueceu em quarenta anos de traumas antigos! Recordou o dia em que a motocicleta acompanhava o autocarro em que ela regressava da escola, a casa, ao final do dia, por aquela mesma estrada, então esburacada, agora asfaltada!
E a praia fluvial, destruída pelo tornado onde trocavam olhares na quinta-feira de ascensão, lá atrás dos montes á beira-rio!

Leia este tema completo a partir de 25/10/2010

3 comentários:

  1. Querida Arlete,
    Um conto cheio de sentimento e saudade!!!
    Gosto muito. Parabéns!!!
    Abraço agradecido,
    Maria

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  2. Um conto suave, como a fina chuva que faz chorar esta tarde na minha cidade de São Paulo. Lembranças difusas, imagens que permeiam os pensamentos. Muito bonito; tanto o conto, quanto a forma de expressá-lo! Parabéns!

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