sexta-feira, 22 de outubro de 2010

O caso da traulitada - Reflexão de Michel Crayon

O caso da traulitada - Reflexão de Michel Crayon

Eu estava deitado, quer dizer, na posição horizontal, mas não estava numa cama embora devesse estar porque já eram horas. Não sei exactamente que horas eram, quer dizer, não sei ao minuto ou mesmo à hora, mas que era tarde, era. Aliás e lembro-me bem disto, o clarim do quartel vizinho já tinha tocado havia uma data de tempo a anunciar a hora de recolher, que é aí por volta das 10,30 da noite e eu estava ali, deitado, havia uma eternidade.

Embora também reconheça que o tempo passa mais devagar quando não se sabe o tempo, quer dizer, quando se espera ou mesmo quando não se espera já nada, pelos meus cálculos talvez fosse para aí uma hora da manhã, mais coisa menos coisa. Os homens do lixo passam por volta da uma, perto da minha casa, que não devia ser muito longe, e não tinham passado ainda ali, mas deveriam estar a chegar, pensei eu.

E lá estava eu deitado, no chão frio naquela noite de Outono que já ameaçara chuvada pelo menos duas ou três vezes deitando uns pingos de aviso. E isto, tanto o frio como a chuva mesmo pequena eu achei estranho, porque em princípio deveria ser verão. De facto vestia umas calças daquele tipo ganga, com divisória ao meio da perna que dá para fazer dois tamanhos de perna e tinha uma camisa aos quadradinhos, de manga curta, daquelas fininhas, de saldo ainda por cima.

Não caí por mim mesmo, não estava com os copos, coisa que não faço, mas estava deitado e alguma coisa ou alguém me tinha deitado abaixo. Teria eu tropeçado e caído mesmo mal!? A rua era escura como breu, tinha uma calçada daquelas que não vêm calceteiro há séculos e a chuva molha parvos que caíra tinha-a deixado molhada o suficiente para fazer brilhar o solo cada vez que passava um carro nas ruas perpendiculares.

E em princípio deveria ser Verão, repito, deveria haver gente em barda passeando pela rua, mesmo àquela hora, porque era sexta-feira ou sábado, não sei bem, mas era um dia de movimento e fora esse movimento que me levara até ali.

Durante o tempo em que estive assim, deitado, tentei deslindar a coisa mas a cabeça doía-me muito, do lado direito de quem me visse de frente e do meu lado esquerdo. Devo ter levado alguma traulitada, tinha pensado, mas não me lembrava de nada, mesmo nada.

Tinha entrado na rua, isso lembrava-me e era certo senão não estaria ali, tinha-me despedido de alguém de que não me lembrava quem era e estava a ver agora melhor que nunca como era escura aquela rua.

Nem sequer me recriminei por isso, por ter tentado atalhar caminho indo por aquela rua, estava simplesmente cansado, mesmo estando deitado, e embora não sangrasse, não via sangue nem no corpo nem nas mãos, sentia-me imobilizado, sem razão aparente. Acho que me sentia sobretudo mais deprimido do que cansado: estava naquela situação em que não nos aparece um solução porque não nos esforçamos para a encontrar e eu não tinha, simplesmente, vontade de me esforçar. Estou deitado - devo ter pensado - vou tentar que o tempo me deixe recompor e depois logo se vê.

Leia este tema completo a partir de 25/10/2010

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