sábado, 9 de outubro de 2010

A oposição campo - cidade - Por Afonso Santana

A oposição campo - cidade - Por Afonso Santana

A oposição campo / cidade, pode ser vista no plano da Literatura existente sobre a matéria e desde já referindo um dos romances emblemáticos que retrata a oposição campo / cidade: «A Cidade e as Serras», de Eça de Queirós, publicado em 1901, após o falecimento do seu autor, e que agora pode ser lido integralmente através da utilização do Projecto Gutenberg (http://www.gutenberg.org/files/18220/18220-h/18220-h.htm ).

Trata-se de um livro que retrata, da forma irónica que é quase habitual em Eça de Queirós uma oposição campo / cidade e que é mais uma oposição civilizacional, entre dois tipos de civilização, acabando as duas por se conjugar no final do romance, numa síntese, em que a parte campo acaba por receber alguns benefícios da parte cidade (civilização) que vão até ao ponto de conseguir a instalação do telefone na parte campo e outras mordomias naquele tempo associadas à cidade.

Qualquer um dos planos (tanto o campo como a cidade/civilização) é extrapolado na narrativa de forma a cumprirem de uma forma mais fortemente oposta o objectivo do escritor, livrando-se este de criticar a vida citadina de uma forma directa através da construção de uma personagem hiper-civilizada, (quase uma cópia adaptada do Capitão Nemo de Jules Verne) ao mesmo tempo que consegue um habilidoso elogio «ma non tropo» da vida campesina de forma a poder introduzir a modernidade.

Natural ou estudado o esquema da obra de Eça de Queiróz é difícil não se pensar que a escrita deste autor, bem fluida como se conhece, não era feita «ao correr da pena».

Uma outra obra que considero importante – Retalhos da Vida de um Médico de Fernando Namora que foi feita em duas séries uma 1949 e outra em 1963 dá uma outra perspectiva sobre a dualidade campo cidade em que o factor de confronto cultural se desenrola no plano humanista e no plano da ciência versus «medicinas locais», embora se trate também de um excelente retrato sobre a sociedade rural daqueles tempos com as componentes sociais hierarquicamente estabilizadas. Desta obra foi feito um filme em 1962 e uma edição por episódios para a televisão (portuguesa) em 1980.

No cerne desta obra está por um lado uma visão romântica (neo-realista, mais propriamente) de um médico formado em Coimbra e a realidade de vários mundos rurais, onde de uma forma geral, e como elemento nivelador, se encontram as formas de viver locais e as crendices, numa outra forma de confrontar civilização com ruralidade, tal como acontece com Eça de Queirós, ainda que em registos diferentes.

De uma forma geral, e por aquilo que tenho lido, o meio rural é sempre encarado como sendo o meio pobre, por excelência, tradicional ao ponto de raiar o reaccionarismo, o que não constitui a visão real desse mesmo mundo, que acaba por ser vítima de um modismo intelectual crítico centrado nas grandes cidades e culturalmente eminentemente urbano (e «ego - urbanista»).

Contra isso, ou esclarecendo isso tive acesso a um excelente resumo de uma introdução de Tese em francês, da autoria da Dr.ª. SILVIA MIHUT, Leitora da Universidade 1 Decembrie 1918, Alba Iulia (Bucareste, Roménia) – QU’EST-CE QUE LA LITTERATURE FRANCAISE REGIONALE? (DES ECRIVAINS DU SUD-OUEST DE LA FRANCE)
(http://www.uab.ro/reviste_recunoscute/philologica/philologica_2000/05_s_mihut_1.doc)
de cujas considerações finais trago um resumo comentado :

Diz Silvia Mihut: «Em forma de conclusão, tentemos separar alguns traços comuns aos escritores de província ou regionais.

A sua razão de escrever é condicionada por uma necessidade interior, é um meio de defesa em relação aos tempos modernos, em relação a uma sociedade artificial, votada para a uniformização até ao ponto de perder a sua identidade local, é também (a razão de escrever) uma necessidade de comunicar, de transmitir aos outros a sua experiência de vida, de trabalho – como é o caso de Claude Michelet em «Eu escolhi a terra» -mas também para fazer abrandar o tempo que corre, evocando instantes plenos de sensibilidade e de beatitude. Neste aspecto, aproximam-se dos outros escritores, dos grandes do presente.»

Leia este tema completo a partir de 11/10/2010

1 comentário:

  1. É isso aí. Só esqueceu que na cidade em seu centro urbano não se produz alimento em grande escala e essa argumentação ficou de fora.

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