Conselho a quem gosta de escrever - Reflexão de Michel Crayon
Escrever é fácil desde que se tenha o dom, de escrever, é claro, porque outro dom qualquer pode não dar para isso e este é o entendimento mais comum que existe sobre a nobre arte da escrita à qual me dedico de alma e coração, entendendo-se aqui arte como uma arte não prática, daquelas artes em que o elemento técnico fica reduzido à sua mais ínfima expressão, tão ínfima que nem se dá por ele.
Mas é claro que isso não é verdade, ou antes é aquela «verdade» que nós escritores «dotados» queremos que os outros, os mortais comuns, engulam. Uma forma cínica - reconheço - de recolher benefícios incalculáveis que resumo aqui nos aspectos mais recorrentes. A mais evidente, que resulta do próprio discurso e é discurso em si mesmo é o facto de dizer aos outros não - escritores que nós temos o «dom». Em termos práticos os resultados viram-se exclusivamente para o exterior, para o outro ou outros, porque por experiência própria sei que tal afirmação por si não serve para outra coisa. Se estivermos com fome continuamos com fome, por exemplo.
Mas, se se tem o dom de escrever (não confundir com alinhavar palavras que é uma coisa distinta) que falta nos faria atestar o roncante estômago? Temos o dom e pronto e assim é que deveria ser mas não é. Esta afirmação serve apenas para dar uma ideia, ainda que ligeira, das limitações do dom de escrever: o dom não enche barriga.
Outra coisa interessante, e bem vantajosa, nesta nossa afirmação do dom de escrever é que ele, como elemento transcendente, funciona como um factor de uma selecção que se pode chamar de tudo menos de natural. Por causa desta coisa do dom assiste-se a uma continuada e secular razia na potencial concorrência, razia essa que atinge desde há uns anos uma percentagem muito próxima dos 100%.
Uma esmagadora percentagem destes potenciais concorrentes tem uma visão não esclarecida desta coisa do dom, que eu espero contribuir aqui para clarificar. Entendem, esses potenciais concorrentes que o dom permite escrever em jacto inspirativo continuado, ou seja, que o escritor dotado pode escrever durante anos uma obra sempre com a mesma inspiração música (vem de musa). Mais, entende-se ainda que o escritor dotado faz o que quer com o seu dom: interrompe-o durante uma festarola de anos do miúdo, retoma-o no autocarro de portátil no colo para que outros o vejam, fecha-o quando vai a banhos, etc.
Nada disso: o dom não existe senão na mente dos outros que pensam ou «sabem» não ter o dom porque eu, pessoalmente, nunca dei por ele, e considero-me «dotado». Mas o dom dá estatuto, isso sabe-se, e toda a gente quer pelo menos testar se tem ou não tem o dom da escrita. Ser Hemingway, ser Shakespeare, ser Cervantes, etc. seria bom, pensam. Não me consta que alguém queira ser Camões...
Leia este tema completo a partir de 17/1/2011
Escrever é fácil desde que se tenha o dom, de escrever, é claro, porque outro dom qualquer pode não dar para isso e este é o entendimento mais comum que existe sobre a nobre arte da escrita à qual me dedico de alma e coração, entendendo-se aqui arte como uma arte não prática, daquelas artes em que o elemento técnico fica reduzido à sua mais ínfima expressão, tão ínfima que nem se dá por ele.
Mas é claro que isso não é verdade, ou antes é aquela «verdade» que nós escritores «dotados» queremos que os outros, os mortais comuns, engulam. Uma forma cínica - reconheço - de recolher benefícios incalculáveis que resumo aqui nos aspectos mais recorrentes. A mais evidente, que resulta do próprio discurso e é discurso em si mesmo é o facto de dizer aos outros não - escritores que nós temos o «dom». Em termos práticos os resultados viram-se exclusivamente para o exterior, para o outro ou outros, porque por experiência própria sei que tal afirmação por si não serve para outra coisa. Se estivermos com fome continuamos com fome, por exemplo.
Mas, se se tem o dom de escrever (não confundir com alinhavar palavras que é uma coisa distinta) que falta nos faria atestar o roncante estômago? Temos o dom e pronto e assim é que deveria ser mas não é. Esta afirmação serve apenas para dar uma ideia, ainda que ligeira, das limitações do dom de escrever: o dom não enche barriga.
Outra coisa interessante, e bem vantajosa, nesta nossa afirmação do dom de escrever é que ele, como elemento transcendente, funciona como um factor de uma selecção que se pode chamar de tudo menos de natural. Por causa desta coisa do dom assiste-se a uma continuada e secular razia na potencial concorrência, razia essa que atinge desde há uns anos uma percentagem muito próxima dos 100%.
Uma esmagadora percentagem destes potenciais concorrentes tem uma visão não esclarecida desta coisa do dom, que eu espero contribuir aqui para clarificar. Entendem, esses potenciais concorrentes que o dom permite escrever em jacto inspirativo continuado, ou seja, que o escritor dotado pode escrever durante anos uma obra sempre com a mesma inspiração música (vem de musa). Mais, entende-se ainda que o escritor dotado faz o que quer com o seu dom: interrompe-o durante uma festarola de anos do miúdo, retoma-o no autocarro de portátil no colo para que outros o vejam, fecha-o quando vai a banhos, etc.
Nada disso: o dom não existe senão na mente dos outros que pensam ou «sabem» não ter o dom porque eu, pessoalmente, nunca dei por ele, e considero-me «dotado». Mas o dom dá estatuto, isso sabe-se, e toda a gente quer pelo menos testar se tem ou não tem o dom da escrita. Ser Hemingway, ser Shakespeare, ser Cervantes, etc. seria bom, pensam. Não me consta que alguém queira ser Camões...
Leia este tema completo a partir de 17/1/2011
Sem comentários:
Enviar um comentário