segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O FLAGELO - Conto de Liliana Josué

O FLAGELO - Conto de Liliana Josué

O dia era de chuva causticante, por vezes dolorosa. Batia no chão da rua numa fúria impositiva. Riachos corriam em caudal considerável, procurando ansiosos a valeta que lhes serviria de abrigo.
A trovoada fazia estremecer os corpos e amedrontar o espírito, como um ralho divino de forte severidade.
O vento atirava o incauto transeunte contra as paredes, ou soprava-o furiosamente para fora do passeio, expondo-o aos caprichos dos automóveis meios cegos, e o negro do céu encovava os parcos rostos que circulavam amedrontados.

João abriu a porta já destrancada do escritório; bateu com os pés no tapete num desejo inglório de que a tempestade terminasse ali. Um silêncio pesado espalhava-se por todo o compartimento embora alguns colegas já se encontrassem nos seus postos de trabalho, lembrando personagens de filme fantasmagórico e, uns «bons-dias» , lá iam saindo, a custo, das bocas desmaiadas e sorrisos imbecis.
Dirigiu-se ao cacifo, tirou a gabardina creme molhada e salpicada de lama, desenrolou o cachecol vermelho escuro do pescoço e pendurou ambos no minúsculo rectângulo mais parecendo um sarcófago.
Era um homem na pujança dos seus quarenta anos. Alto, magro, cabelo quase loiro mas já pouco abundante e estupendos olhos azuis.
Sentou-se à secretária iniciando o ritual de todos os dias: ligar o computador, olhar a papelada e dar prioridades de execução.
O primeiro toque telefónico soou como gargarejo de peru, num alerta para mais um dia espinhoso. Nesse momento, todos na sala, se sobressaltaram por ainda pertencerem ao reino dos vivos.
Chuva e mau tempo no exterior; chuva de telefonemas, de campainhadas e vozes impacientes. A labuta era tanta que nem tempo havia para engolir um triste café na esperança de mais energia e vontade renovada.
Mariana, a sua colega mais antiga, num bem vindo intervalo entre os gritos telefónicos e vozes impacientes do balcão, chamou João denotando apreensão:
- Não via jeito de conseguir falar contigo -. Aproximando-se mais um pouco continuou: - Já ouviste as últimas que ecoaram da sede?
- Desculpa Mariana mas não estou a perceber.
- … As últimas dos colegas da sede…?
- Não, mas diz-se tanta coisa…
- Meu menino, isto não vai aguentar muito mais tempo.
- O rapariga, não dês ouvidos a tudo; não é desse modo que ultrapassamos crises ou as dúvidas instaladas nesta casa. Trabalhar com afinco e vontade é o principal, pelo menos para as nossas consciências.
- Andas muito ótimista, mas há uns tempos atrás não era isso que demonstravas, as tuas atitudes eram de quem já estava muito descrente, por vezes nem havia quem tivesse pachorra para te aturar. Ainda não me esqueci da resposta agressiva que deste a semana passada.

Leia este tema completo a partir de 4/1/2011

Sem comentários:

Enviar um comentário