sábado, 15 de janeiro de 2011

Texto sobre Florbela Espanca - Parte V - FLORBELA E O CEPTICO MONTAIGNE - Por Daniel Teixeira

Texto sobre Florbela Espanca - Parte V - FLORBELA E O CEPTICO MONTAIGNE - Por Daniel Teixeira

FLORBELA E O CEPTICO MONTAIGNE

Ainda sobre a problemática da depressão e do decadentismo, resolvemos também trazer aqui o grande pensador que foi Montaigne e ainda Marco Aurélio e outros que entretanto se possam vir a tornar necessários para o desenvolvimento de raciocínios. O objectivo de trazer tanto uns como outros tem alguns pontos comuns.

Para começar Montaigne pode ser visto em várias perspectivas:

de um lado Michel de Montaigne viveu uma época de crise social com transmutações dos sistemas económico sociais e com reflexos psicológicos importantes (aliás Montaigne poderá melhor ser visto como analista psicológico e antropo - cultural do que propriamente como filósofo nas concepções dos tempos modernos );

em seguida porque alguns dos textos de Montaigne se enquadram perfeitamente dentro do aspecto que temos vindo a tratar ( decadência, tristeza, suicídio, busca do Infinito, etc. ).;

por último, porque Montaigne é apontado como contendo nos seus escritos (o qual veremos desde já) muito das concepções defendidas pelos filósofos Estóicos. Florbela refere directamente os Pensamentos de Marco Aurélio na introdução de um dos seus livros em prosa mais emblemáticos (aquele que dedica a seu irmão morto – «As máscaras do Destino») e a sua atitude perante a morte (que não perante a tristeza) contém bastante conteúdo que poderá ser equiparado às concepções estóicas.

Mas comecemos por reconhecer Montaigne:

«Montaigne viveu numa época extremamente conturbada, da qual reflectiu algumas características fundamentais, especialmente as mais contraditórias. A primeira dessas características situa-se no plano económico, social e político das transformações que levaram à destruição da economia feudal da Idade Média e sua substituição pelas actividades manufactureiras e de comércio. A primeira metade do século XVI na França foi marcada por esse processo, notando-se cada vez maior participação do Estado nos assuntos económicos. A família de Montaigne constitui um exemplo típico dessa época em que a burguesia ascendeu ao primeiro plano da história social, sofrendo uma evolução que não se fez sem conflitos profundos.» (In Montaigne, Edição Nova Cultural, São Paulo, 1991).

Sobre Montaigne (de Montaigne) recolhemos dois aspectos que consideramos puderem ajustar-se àquilo que temos vindo a desenvolver sobre Florbela Espanca. Pensamos, através da análise da poesia e dos textos escritos (quer romances ou contos quer diário e correspondência) que existem aspectos, pelo menos provisoriamente mais significativos no decurso deste ensaio que importa realçar. Um desses aspectos é o «curriculum» pessoal e temperamental de Florbela expresso numa carta desta ao Dr. Guido Batteli em 27 de Julho de 1930, ano da sua morte.

«Sou uma céptica que crê em tudo, uma desiludida cheia de ilusões, uma revoltada que aceita, sorridente, todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura.
Grave e metódica até à mania, atenta a todas as subtilezas dum raciocínio claro e lúcido, não deixo, no entanto, de ser uma espécie de D. Quixote fêmea a combater moinhos de vento, quimérica e fantástica, sempre enganada e sempre a pedir novas mentiras à vida, num dom de mim própria que não acaba, que não desfalece, que não cansa!"

Por toda a carta / trecho perpassa uma consciência clara do paradoxo ou do absurdo interiorizado. Contudo, se analisarmos numa outra perspectiva também não ficaremos muito enganados. Em certo sentido Florbela é ela mesma e o seu contrário, ou seja, uma personagem que se apresenta como emanação de si mesma e que se representa como se a um espelho estivesse. A linearidade da metodologia referida como sendo dela mesma, Florbela, não é no entanto suficiente para que se obtenham conclusões claras sobre a personalidade de Florbela; em certo sentido o método é esse, ou seja, apresentar um não método, espalhar contradições de forma a deixar bem escondido, mostrando-o em duas faces, aquilo que ela mesma é, substancialmente.

Leia este tema completo a partir de 17/1/2011

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